SignWriting na literatura surda

A educação dos surdos no Brasil, até a década de 1980, priorizava basicamente a língua oral-auditiva, não havendo espaço e nem acolhimento das produções artísticas e literárias em língua de sinais. Sendo a cultura de um povo a condição indispensável para sua história, a cultura da comunidade surda passou a ser respeitada somente após o reconhecimento da Libras pelos órgãos governamentais. Deste modo, no período em que houve a repressão da língua de sinais, os encontros entre os surdos que se comunicassem por meio da Libras eram alvo de censura, fazendo com que o registro da literatura surda através da transmissão de suas histórias, lendas e costumes ficassem seriamente comprometidas. 

Segundo Karnopp (2008), pelo fato da literatura surda ter uma tradição diferente, próximo às culturas que transmitem suas histórias oral e presencialmente, o registro de histórias contadas em sinais no passado permanece apenas na memória de algumas pessoas ou foram praticamente esquecidas. Assim, o registro da literatura surda começou a ser possível principalmente após o avanço da tecnologia, da gravação de histórias através de fitas VHS, CD, DVD ou de textos impressos que apresentam imagens, fotos e/ou traduções para o português, meios estes que favoreceram para que a literatura surda passasse a ser vital na manutenção de sua cultura na sociedade.

Em relação à essa cultura propriamente dita, grande parte das produções literárias prosperam onde se verifica a maior concentração de surdos, uma vez que a difusão de histórias, contos, poesias, lendas, fábulas e anedotas que identificam as representações da cultura surda se manifestam principalmente em encontros nas escolas ou associações, e até mesmo, através das redes sociais ou sites da internet de compartilhamento de vídeos, onde toda e qualquer comunicação é expressa na língua de sinais, resguardando-se assim, a originalidade dessas produções, de uma forma totalmente diferente do que se observa quando ocorre a tradução para o português escrito. 

Diante deste fato, Karnopp acrescenta que a escrita de sinais (SignWriting) é uma forma potencial de registro da literatura surda, possibilitando que os textos sejam impressos e divulgados em diferentes tempos e espaços. Ela ressalta que as publicações em SignWriting têm sido uma inovação na tradição de contar e recontar histórias e, por outro lado, divulgam e imprimem materiais na Libras. No entanto, um dos problemas é a abrangência do público leitor nessa língua (Libras), visto que ainda são poucos os usuários desse sistema, mesmo nas comunidades de surdos. Essa abrangência, na visão da autora, será maior a partir do momento em que o ensino da escrita da língua de sinais começar a fazer parte do currículo escolar e circular em produções literárias, enfatizando que livros de literatura infantil com o texto em SignWriting desempenham um papel fundamental na divulgação dessa língua e dessa tradição escrita. 

A autora esclarece que, nessa linha de raciocínio, além do registro das produções culturais dos surdos através da escrita de sinais (SignWriting) e de traduções para o português escrito, outras formas de documentação, como filmagens, são de suma importância para o registro de formas literárias que tendem a se perder ou sofrer transformações ao longo do tempo. Os registros visuais são fundamentais na criação de bibliotecas visuais, contribuindo substancialmente para a escrita posterior, seja através da escrita de sinais ou através de traduções apropriadas para o português escrito. 

Conforme Mourão (2011), as produções literárias, na literatura surda, podem ser classificadas em tradução, adaptação e criação, de acordo com a tabela a seguir. 

TipoDescriçãoExemplos
TraduçãoClássicos da literatura traduzidos para a Libras. Tais materiais contribuem para o conhecimento e divulgação do acervo literário de diferentes tempos e espaços, uma vez que são traduzidos para a língua usada pela comunidade surda.Iracema; O Alienista; O Pequeno Príncipe
AdaptaçãoApresenta os personagens principais como surdos e o enredo sofre transformações para se adaptar à cultura surda. Os autores, conhecendo os clássicos da literatura mundial e seu valor, realizam adaptação para a cultura surda, de forma que o discurso traga representações sobre os surdos.Cinderela Surda; Rapunzel Surda; Patinho Surdo
CriaçãoEncaixam-se textos originais que surgem e são produzidos a partir de um movimento de histórias e de ideias que circulam na comunidade surda.Tibi e Joca; Casal Feliz; O Extraordinário Mundo de Miki

Nessa perspectiva é possível encontrar, ainda que em pequena escala, a tradução de português escrito para SignWriting em artigos, dissertações, dicionários, livros infantis, jogos, história em quadrinhos e legendas em vídeos sendo, porém, significantemente promissor pois as produções literárias utilizando a escrita de sinais possibilita a difusão da língua de sinais na modalidade escrita. Dessa forma, esses materiais podem e precisam ser divulgados na comunidade surda e nos espaços acadêmicos, incentivando novas produções e novas pesquisas e, consequentemente, contribuindo cada vez mais para o enriquecimento da literatura surda no Brasil.

Referências bibliográficas

MOURÃO, C. H. N. Literatura surda: produções culturais de surdos em língua de sinais. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) Porto Alegre: UFRGS, 2011.

KARNOPP, L. Literatura Surda. Texto-base da disciplina de Literatura Visual do Curso de Licenciatura em Letras-Libras da Universidade Federal de Santa Catarina na modalidade à distância. Florianópolis: UFSC, 2008.

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